Prefácio
Reapreciar a “Paisagem”
“Quando as flores de damasqueiro desabrocham na primavera, a minha veste está quase embebida em chuva miudinha; o sopro de salgueiro no meu rosto pela brisa suave, jamais me faz sentir frio”, escrito por Shi Zhinan, um poeta-monge da dinastia Song. Sem a fruição humana, a paisagem mais espectacular carece de sentido; uma pintura anseia pelo olhar do espectador, por ser sentida com um coração puro. Com a chegada da primavera, a paisagem à nossa volta torna-se mais bela. Na primavera de 2023, venha mais vezes ao Museu de Arte de Macau (MAM) apreciar a “paisagem artística”.
Em Macau, com o desenvolvimento socio-económico da década de 1980, o governo começou a prestar mais atenção na área das artes e da cultura, dinamizando o então Museu Luís de Camões e a Galeria do Leal Senado (actual Galeria do IAM) para organizar regularmente as exposições modernas mais importantes de artistas internacionais, mas também de artistas de Macau. As novas políticas culturais não só faziam crescer as colecções, como estimulavam a produção artística em geral, e em particular a pintura modernista local. Desde 1984, a Exposição Colectiva dos Artistas de Macau tem enriquecido a colecção de pintura moderna de Macau através da mostra de uma selecção de obras premiadas dedicadas às técnicas de pintura ocidental. A fundação do Círculo dos Amigos da Cultura de Macau, em 1986, e da Academia de Artes Visuais (do Instituto Cultural), em 1989, instituições que tiveram um papel fundamental no amadurecimento da pintura modernista em Macau, criando condições para o seu crescimento.
Desde a sua inauguração em 1999, o MAM vem procedendo à incorporação no seu acervo de um número considerável de pinturas modernistas, seja através de doações, seja através de aquisições destacando-se aqui o papel da organização de exposições na criação de uma valiosa colecção modernista. De entre as principais exposições, organizadas pelo MAM, que mais contribuíram para enriquecer a sua colecção destacam-se: Celebração do Regresso de Macau à Pátria: Exposição de Arte Chinesa (2000); Pinceladas Inovadoras: Pintura Experimental do Instituto de Belas Artes de Sichuan (2008); Para Além da Superfície: Obras de Exposição de Arte Abstracta Chinesa (2008), e Fragrâncias da Mente: Uma Retrospectiva da Obra de Lalan (2010), bem como Arte Macau, uma série de exposições em grande escala realizadas nos últimos anos.
A pintura modernista é bastante livre, não privilegia temas em particular e não se limita à reprodução realista. A liberdade que oferece à inovação de formas artísticas vem influenciando os círculos de pintura de Macau há mais de três décadas.
A exposição Cenas da Vida: Pintura Moderna da Colecção do MAM reúne um conjunto de 60 obras de 47 artistas, apresentadas em duas secções, respectivamente, 39 paisagens e 21 pinturas de figuras. Há trabalhos em óleo, acrílico e técnica mista, escultura e biombo numa grande variedade de formatos, estilos e técnicas, demonstrando verdadeiramente o espírito aberto e uma identidade artística própria que é o resultado da coexistência das culturas chinesas e ocidentais em Macau.
Desta vez, esta exposição pretende apresentar o fruto resultante do choque estético e filosófico chinês e ocidental, bem como o espírito artístico, incluindo a sensibilidade, a imagética, a mentalidade, o estilo, a emoção e outras categorias. Esta selecção de trabalhos procura destacar alguns traços marcantes da pintura modernista: abordagem refinada ou simplificada, recurso ao híper-realismo; agilização ou reorganização gráfica de estruturas; exploração da luz e da cor para revelar a beleza intrínseca e o uso de configurações abstractas para expressar estados de espírito e temperamentos.
A paisagem exterior conecta as pessoas com a natureza; a paisagem interior aproxima um ao outro. E a vida está cheia de belas paisagens: flores desabrochando na cálida primavera morna; ou um dia de chuva e neblina, algo desconcertante; ou as folhas que caem com o vento outonal, suscitando uma certa melancolia; e outras vezes temos que enfrentar tempestades e aceitar contrariedades. O desenvolvimento e a elaboração da arte estão estreitamente relacionados com os percursos da vida dos indivíduos, assim que os artistas exprimem as suas ricas emoções e suas condições de vida complexas através das suas obras.
Hoje, a arte contemporânea de Macau está na sua fase florescente. Numa cena vernal tão agradável, deambula-se e observa-se em redor com a mente aberta. A arte desdobra-se e é nutrida pelas culturas estéticas chinesas e ocidentais, apresentando vigorosamente os valores contemporâneos e a transformação da arte, ao mesmo tempo que exala a fragrância primaveril da arte de Macau.
Noah, Ng Fong Chao
Curador