Nota da Curadora
Um pioneiro do movimento “Nova Arte da China Pós-1989”, Fang Lijun nasceu em 1963 em Handan, na Província de Hebei, tendo-se formado pelo Departamento de Gravura da Academia Central de Belas-Artes, em 1989. Desde o início da década de 1990, as suas icónicas “figuras carecas” foram pioneiras na “Cultura Malandra” e no “Realismo Cínico” (Li Xianting, 1991) na arte contemporânea chinesa. Em 1993, uma das suas obras chegou a ser capa da The New York Times Magazine, inaugurando a arte chinesa na revista e sendo a sua arte considerada “o uivo que poderia libertar a China” (Mark Sherp, 2001). Fang tornou-se então um artista muito procurado por muitos dos principais museus e fundações de arte e muitas grandes exposições públicas a nível internacional. Desde o início da sua carreira artística, Fang tem-se constantemente dedicado a “viver como um cão selvagem”, caminhando pelas periferias da arte, da forma, do tempo, da linguagem e do poder, a fim de capturar as dores e os sentimentos universais do tempo presente e da vida de modo transcendental. Na sua série “Humanos e Figuras”, como um dos principais motivos da sua criação artística, Fang faz interagir e fundir, de modo desconstrutivo, os retratos típicos e os rostos estereotipados de uma época. Adoptando “Humanos e Figuras” como fio narrativo, esta exposição visa propor uma perspectiva clássica e ao mesmo tempo nova e refrescante sobre Fang. Foi nossa intenção dar a conhecer o percurso criativo do artista ao longo da última década, com particular enfoque nas suas novas experiências com uma variedade de técnicas, desde a pintura tradicional chinesa, pintura a óleo, gravura e escultura ao espaço virtual de NFT.
Sempre houve uma ligação profunda e inexplicável entre a arte e o ser humano: de onde viemos? Onde estamos agora? Para onde vamos? Como nos vemos? Como devemos ver os outros? E como devemos entender o mundo em que vivemos?... Estas questões fundamentais sobre a identidade dos seres humanos desencadearam um género artístico com uma notável longevidade e uma popularidade duradoura tanto no Oriente quanto no Ocidente. Sendo outrora conhecido pelo nome de “pintura de retratos” ou “pintura figurativa”, este género assumiu diversas funções sociais na história humana, incluindo educação religiosa, propaganda política, diplomacia internacional, documentação pictórica, manifestação de estatuto, etc. Para Fang e a sua arte, a “figura careca”, como rosto típico da China numa época específica, já se tornou parte da história da arte. A problemática do artista tem vindo, entretanto, a evoluir, debruçando-se actualmente sobre questões como: de que modo se pode aprofundar ou mesmo criar uma linguagem visual idiossincrática e particular e como transcender a história da arte e o “Fang Lijun” na história da arte num processo constante de auto-impulsão e desenvolvimento? A transfiguração gradual do homem “universal” numa pessoa “concreta”, a transição da expressão externa para uma exploração interna e a reaproximação deliberada à tradição e às suas próprias raízes culturais, marcam a experiência de vida do artista no momento em que este atinge o seu apogeu, tornando-se uma das principais características da sua arte nos últimos anos. O motivo “Humanos e Figuras”, que combina uma diversidade de elementos visuais, como máscaras da ópera de Pequim, gravuras de Ano Novo Chinês, caricaturas, desenhos, filtros fotográficos e objectivas olho-de-peixe, é aplicado de forma “genérica” ao “retrato” com técnicas diferentes. Seja a grande escala das figuras a tinta ou os detalhes minuciosos da barba e do cabelo de uma figura humana, as extraordinárias proezas artísticas de Fang e o seu amor sincero pela humanidade são perfeitamente evidentes. Este mesmo amor manifesta-se igualmente nas frequentes representações de amigos falecidos do artista nas suas obras, as quais raramente deixam de me fazer suspirar e verter uma lágrima.
Para esta exposição, optámos por apresentar quatro secções principais: “Passagem: O Processo de Crescimento”, “Introspecção: Auto-retratos”, “Reflexões Mútuas: Amigos” e “A Luz Poeirenta: Humano”. Para além destas secções, procurámos também aprofundar o tema “Humanos e Figuras” nesta primeira exposição individual de Fang Lijun em Macau, seguindo um fio cronológico através de duas partes adicionais: “Vídeo” e “Publicações”. O próprio artista escolheu o título A Luz Poeirenta para esta exposição, sugerindo a ideia de “esconder o brilho e fundir-se com a poeira”. Há muito tempo que a China não precisava, como hoje, que o artista reafirmasse a sua defesa da individualidade, da liberdade e dos direitos humanos, uma postura que Fang tem mantido desde o seu período de “cão selvagem”. Também já lá vão os tempos em que, no mundo contemporâneo, era necessário, como hoje, o ser-se extremamente cauteloso contra a ameaça do totalitarismo (frequentemente rotulado como colectivismo ou conformismo) e defender os ideais da igualdade e da compaixão universais. “Na realidade, não existe arte. Existem apenas artistas.” (E. H. Gombrich). Esta exposição coloca as obras “Humanos e Figuras” de Fang Lijun contra o pano de fundo das vicissitudes da imagem social e espiritualidade do “povo chinês” ao longo das últimas quatro décadas, estabelecendo uma comparação com os detalhes da própria história criativa do artista e toda a história da arte contemporânea chinesa. Convidamos todos os espectadores, tanto online como offline, a vir conhecer o zeitgeist da China contemporânea através das obras “Humanos e Figuras” de Fang e a atentar nas suas próprias vozes interiores, desejando ainda que o artista “Fang Lijun”, que rompe constantemente com o passado, possa manter o seu impulso vanguardista e recriar a vida e o espírito artísticos na era que se avizinha.
2022.4
Luo Yi
Curadora