PREFÁCIO
Ao ver os trabalhos fotográficos de Candida Höfer pela primeira vez num telemóvel, pode ser um desafio sentir qualquer emoção. A artista utiliza consistentemente uma composição equilibrada com o objecto perfeitamente centrado, sobretudo nas suas imagens de espaços vazios. Há uma notória ausência de avaliação ou discussão subjectivas sobre questões contemporâneas, como a questão do género, nas suas obras. Em nítido contraste com os constantes bombardeamentos de imagens visuais prevalentes no mundo moderno, as obras de Höfer parecem austeras e desligadas. Porém, a contemplação tranquila das suas obras num museu proporciona uma experiência totalmente diferente. A sua obra fotográfica em grande escala é, sem dúvida, fascinante pela profundidade e meticulosidade.
A Escola de Fotografia de Düsseldorf passou a influenciar a arte em todo o mundo. Nos últimos 50 anos, a escola tem-se concentrado numa abordagem bastante metódica da fotografia, explorando, ao mesmo tempo, a ontologia da imagem fotográfica e outras técnicas artísticas. Como resultado, a escola contribuiu em grande medida para a fotografia como forma de expressão artística reconhecível a nível mundial.
Candida Höfer é uma figura proeminente na escola, sendo indubitavelmente mais conhecida pelo seu contributo para os movimentos artísticos alemães, tais como a Nova Objectividade e a chamada Deadpan Photography (fotografia inexpressiva). Além disso, é amplamente aclamada como pioneira na arte de criar fotografias a cores em grande escala. A sua notável produção fotográfica revela as suas criações de enormes espaços interiores, muitas vezes em interiores de grandes edifícios públicos. Höfer é reconhecida pela sua atenção precisa e explícita ao detalhe, bem como pela sua linguagem visual multifacetada, sendo a ausência da presença humana um tema recorrente no seu trabalho. Além disso, a artista possui um sentido artístico apurado e uma expressividade excepcional. A sua técnica fotográfica praticamente perfeita e a sua abordagem precisa à composição justificam, de certa forma, a sua aclamação como uma das fotógrafas contemporâneas mais influentes da história.
Na grande exposição intitulada Olhar Épico, o Museu de Arte de Macau apresenta uma selecção de obras de Höfer criadas ao longo dos últimos 20 anos, organizadas em torno de vários temas – desde clássicos como “Teatros”, “Museus” e “Bibliotecas”, a temas inovadores como “Passagens”, “Visão do Mundo” e “Obras Inéditas”. Esta configuração permite que o público de Macau compreenda melhor as abordagens e técnicas artísticas de Höfer em diferentes fases da sua carreira.
As obras de Höfer permitem-nos compreender uma vez mais a complexidade de um espaço específico, não podendo, portanto, ser simplesmente categorizadas como “fotografias de arquitectura”. Embora a artista muitas vezes apresente uma composição precisa do espaço representado, muitas das suas fotografias demonstram uma abordagem visual aventureira. Em semelhança com as principais técnicas enunciadas no modelo da “tríade espacial” do filósofo francês Henri Lefebvre, em que uma pintura a óleo clássica cria profundidade através do uso de um objecto específico e da organização da composição em torno de uma linha diagonal, permite que os espectadores de Höfer entrem tranquilamente o mundo criado por ela, um mundo repleto de sentido e detalhe, que desperta a sua imaginação.
Nas suas séries “Teatros” e “Museus”, Höfer retrata habilmente a ideia progressista de espaço público. No entanto, a artista redefine a ideia de “não-lugar” através da sua recente série “Passagens”, ou dos tectos da sua série “Lâmpadas”, e até mesmo na sua série de árvores ao ar livre, em que as árvores se assemelham às cercas e intersecções.
À medida que a arte fotográfica contemporânea vai evoluindo, pode-se dizer que a autenticidade da imagem em si já não é a principal preocupação para os artistas. Em vez disso, a discussão geral tende a tornar mais relevante a compreensão do método de produção e da ideologia subjacente à imagem. Hoje em dia, em tempos em que há sempre um telemóvel à mão, com que se pode tirar uma fotografia ou aplicar um filtro para embelezar uma imagem, as obras profundamente ritualísticas e seriais de Höfer são, talvez, ainda mais relevantes. As suas imagens não só sublinham a prática moderna da tipologia fotográfica, como também revelam o grau de meticulosidade com que Höfer planeia o seu trabalho, permitindo ao espectador ter um vislumbre dos momentos de intuição da artista. Seja uma fotografia pública ou privada, um sublime freeze-frame ou um simples registo de um espaço, Höfer reforça continuamente a estética ontológica da fotografia através do desenvolvimento da diversidade.
Na minha opinião, o aspecto mais fascinante da obra de Höfer não é a grandeza arquitectónica dos espaços que fotografa, mas a sua capacidade de controlar cenários tão magníficos com racionalidade e moderação, interpretando com perfeição a “poesia” abstracta e maravilhosa desses espaços. Em espaços públicos como bibliotecas, teatros e museus, a artista exclui deliberadamente as pessoas. Como resultado, Höfer salienta a “presença do ausente”. Ao contrastar a sobreposição de civilizações ricas com a ausência de seres humanos, a artista chama a atenção para a ordem arquitectónica e para a “humanidade” de um espaço.
Höfer evita o pós-processamento, recorrendo antes a longas exposições e à luz natural. As suas imagens calmas, embora dinâmicas, realçam a “personalidade” de um espaço com as suas estruturas e curvas arquitectónicas. A artista transcende a ideia da função real de um edifício público, enfatizando o seu simbolismo cultural e o seu sentido de lugar, deslocando ou apontando subtilmente para o contexto cultural e histórico do espaço. Através da lente de Höfer, a função social mundana de um espaço está entrelaçada encantadoramente com um sentimento de espanto e admiração. Em seguida, levantam-se questões relacionadas com a imagem, que se debruçam sobre o abstracto, o registo, a sequência, a desordem, o presente e o passado. Tudo isto conta a história do edifício ou espaço de uma forma que vai além dos simples aspectos psicológicos da iconografia apresentada dentro da moldura. O espectador está psicologicamente presente, mas as pessoas reais estão visualmente ausentes no trabalho de Höfer, o que permite criar uma atmosfera mais amena em comparação com outras obras influenciadas pela Escola de Fotografia de Düsseldorf. Höfer utilizou com sucesso a fotografia como meio para explorar a interacção entre arquitectura e psicologia, aprofundando, dessa forma, o significado contemporâneo daquilo que é chamado “imagem”.
O filósofo alemão Martin Heidegger concebeu a ideia de “imagem do mundo”, que significa que o mundo que vemos à nossa volta é um reflexo do nosso ser interior e que uma visão é simplesmente uma janela para esse mundo. De igual modo, as imagens de Höfer não são apenas obras de arte, mas também constituem registos de espaços, panoramas culturais de uma determinada época e catálogos sociais da história arquitectónica. Elas contêm a essência da civilização humana. Temos a sorte de poder apresentar uma exposição em grande escala da obra de Höfer em Macau, cidade que alberga um grande número de museus públicos. Esta mostra será uma viagem enriquecedora pelas culturas do mundo. Espero que, ao apreciarem a abertura da artista tanto à semelhança como à diferença, os visitantes inspirados possam reflectir sobre os espaços públicos de Macau e imaginar futuras possibilidades para esses espaços.
Un Sio San
Directora do Museu de Arte de Macau