Alegoria dos Sonhos

A Caminho da Exposição Internacional de Arte La Biennale di Venezia

Nota do Curador

 

O que fazer quando os sonhos irrompem de forma avassaladora pela realidade, tornando-se...reais? Como lidar com os anjos que, em representação desses sonhos, dão corpo a um mundo novo, mas que subitamente pode envelhecer, por ser apenas parte da memória?  

A virtude da intrusão dos sonhos no real é perdermos o sentido do tempo, é ignorarmos a compartimentação entre o passado existente, o presente expectante e um futuro incerto. É olhar para o que nos rodeia como se tudo fosse real, e não apenas uma projecção do que já existiu.  

“YiiMa” é a ponte entre o sonho e a realidade. É o ponto de observação privilegiado sobre um tempo sem tempo. É um movimento que oscila entre duas realidades, entre o que existe e vai deixar de existir e o que os sonhos projectam, prolongando a sua existência.  Mas, paradoxalmente, também, entre o que os sonhos revelam de uma existência que já foi real, dando uma nova vida ao testemunho de um Macau rico de conteúdos.  

Uma alegoria obriga a que se chegue a uma síntese sobre o discurso do “outro”. Significa fazer uma ponte entre o que se conta e o significado que se lhe pretende atribuir. Estamos no mundo fantástico de duas realidades que se cruzam. E o projecto revelado pelo grupo “YiiMa” é um bom exemplo deste cruzar a ponte, mas fazendo-o sempre de forma a que, no final, não se perceba onde está o sonho e a realidade, onde é que está o simbólico e a substância. Perdemo-nos nas memórias, mas, ao acordar, percebemos com facilidade que o sonho é real e que nada do que “YiiMa” nos mostra pode ser acomodado na prateleira do fantástico, do delirante, do imaginado. Existe para dar um sentido à consciência que a sociedade deve ter sobre a sua própria História, mas também para alimentar o sentimento de pertença que cada um possa ter nela.  

Macau é o ponto de partida. Mas, antes da viagem, “YiiMa” vai percorrendo os lugares que existiram na cidade, mostrando-nos uma perspectiva que funde a terra e o “céu”, misturando numa única visão aquilo que nenhum outro olhar nos pode mostrar, pelo menos da mesma forma. Macau é uma cidade cheia de histórias. Transpira pelos poros da cidade uma avalanche de muitas tradições, de uma vivência intensa. E as imagens escolhidas para este projecto mostram a riqueza e a densidade do que são alguns dos recantos de Macau. A intimidade de lugares únicos, nunca acessíveis. Essas imagens mostram ainda um passado que os sonhos transformam em presente; e, sendo presente, passam a perpetuar-se nas nossas memórias, colectiva e individuais.  

Por sua vez, Veneza, e a sua Bienal de Arte, é um porto de chegada.  A síntese das sínteses. A essência do “Leite dos Sonhos” aonde aporta essa realidade de Macau desconhecida, misteriosa, sedutora, convidativa, com uma História e multiculturalidade únicas, onde a cada esquina se detecta a pegada que o património edificado foi deixando, e por onde sopra uma riqueza cultural e um conjunto de usos e costumes próprios da cultura chinesa miscigenada que se quer preservar.  

Este projecto é a demonstração cabal de que podemos integrar o real no sonho. E com o sonho tornar a realidade eterna. E, na conjunção das duas, mostrar a condição humana no contexto de uma cidade que se quer abrir e revelar ao mundo.  

 

João Miguel Barros  
Curador  

Galeria Tap Seac

Data de Abertura:
2023/03/17 18:30
Duração:
2023/03/18 - 2023/05/21