Prefácio
Exprimir beleza em pinturas não é muito complicado, mas é por certo mais difícil captar o “espírito” da época em que Lok Cheong viveu e pintou através da arte. Contudo, este artista foi mestre na representação do espírito do seu tempo.
Uma figura de indiscutível influência no meio artístico local, Lok Cheong foi um dos membros fundadores da Associação dos Artistas de Belas-Artes de Macau. Durante a sua vida, trabalhou para promover a arte de Macau, nutrir o talento local, unir os amantes da arte e estabelecer o intercâmbio artístico entre os círculos de arte de Macau e do continente chinês.
Este artista autodidata é famoso pelas suas aguarelas, mas as pinturas a óleo e a tinta-da-china são igualmente notáveis. Os seus pontos fortes incluem ainda ilustrações para livros, cartazes parafilmes e elaborados arcos decorativos (pailou) para as celebrações do Dia da Nação em Macau. As suas obras poderosamente realistas apresentam um leque de temas e demonstram as suas técnicas inovadoras. Nos seus retratos surgem o presidente Mao, o doutor Bethune, Guo Moruo, o herói proletário Li Yuhe na ópera revolucionária A Lenda da Lanterna Vermelha, um operário na greve Cantão-Hong Kong e as trabalhadoras que produzem panchões e leques. Apesar das obras de Lok Cheong revelarem uma certa tendência política, os temas raramente mostram a forte militância do realismo socialista de estilo soviético ou o princípio artístico extremo das “três proeminências” em voga durante a Revolução Cultural.
Tomemos como exemplo algumas obras criadas entre 1956 e 1957, “Tanque de lavar roupa no sopé da Colina da Guia”, “Velhice sombria” e “Vivendo da recolha de resíduos” são de uma enorme expressividade nos seus efeitos visuais, revelando o trabalho árduo da população de Macau em tempos de desemprego e exprimindo um forte sentido humanista. A 10 de Janeiro de 1955, devido a um incêndio numa habitação de madeira na Ilha Verde, muitos ficaram sem casa. A vida tornou-se problemática. Em resposta, alguns grupos de patriotas do Interior da China doaram sacos de arroz às vítimas no templo de Lin Fong. Na pintura a óleo “Oferta de arroz pela Pátria”, Lok Cheong ilustra, com pinceladas realistas, o forte elo existente entre a Pátria e Macau. A obra revela a virtude da ajuda mútua do povo de Macau numa peça comovente, mas pouco convencional. A pintura de 1958 “Técnicos partindo para servir a Pátria” cria um tom mais positivo num efeito visual mais luminoso, mostrando com mestria o desenrolar de um evento enquanto exprime um forte patriotismo sem idealizar a realidade com falsidades, vanglória ou slogans vazios.
Lok Cheong amava a sua terra natal e o seu país, desenhando entusiasticamente e pintando a magnífica paisagem da Pátria e o cenário de Macau com um forte afecto. Nos seus trabalhos, Macau é mostrado como um lugar tranquilo e encantador, uma verdadeira casa para os artistas que “criam arte em nome da arte”. Algumas das suas obras datam da época do regresso de Macau à Pátria, tais como “Regresso a casa” e “Ano do século (Dia solarengo)”. Estas peças revelam a sua filosofia de “criar para a vida”. Nestes trabalhos, um bando de pombos regressando ao pombal serve de metáfora para as perspectivas do povo local acerca do histórico regresso à Pátria. Trata-se de obras que, decerto, captam o espírito daquele período.
O Museu de Arte de Macau (MAM) existe e trabalha para coleccionar, conservar, mostrar e investigar a arte de Macau. De facto, o Museu tem mostrado obras notáveis de muitos pintores locais veteranos já desaparecidos, tais como Lok Cheong, em Reflexos de Quatro Mestres de Macau (2009), 60º Aniversário da Associação dos Artistas de Belas-Artes de Macau – Uma Retrospectiva (2016), e Prelúdio do Estilo Moderno de Macau (2022). Estas exposições receberam uma resposta entusiástica. Em Setembro de 2020, a família de Lok Cheong doou generosamente 239 pinturas a óleo, aguarelas, caligrafias e pinturas chinesas e 24 álbuns de desenhos do artista. Esta substancial doação enriqueceu a colecção de arte local do MAM e a pesquisa do desenvolvimento da arte em Macau. Graças a ela, organizar a exposição Retrospectiva Centenária da Arte de Lok Cheong foi um processo simples e compensador.
Ao longo dos anos, o MAM tem realizado significativas pesquisas académicas, compilado informação histórica e registos da história oral, a par de palestras dialogantes. Como resultado, o Museu tem publicado catálogos profissionais, criado produtos culturais e criativos e organizado actividades promocionais que reflectem o papel e contribuição destes artistas veteranos para a história do desenvolvimento artístico de Macau. As suas obras têm iluminado os benefícios sociais da colecção do Museu e homenageiam a confiança dos doadores, correspondendo, bem assim, às expectativas do público.
Há um ditado que diz, “Se queres avançar depressa, vai sozinho; se queres chegar longe, vai acompanhado”. Olhando para os últimos cem anos, o meio artístico de Macau tem florescido em unidade e o caminho artístico da cidade continua a alargar-se cada vez mais. Tudo isto valida a visão de Lok Cheong. O mestre já morreu, mas o seu espírito artístico continua vivo, tal como se lê na sua inscrição na pintura “Lu Xun” comemorando o centenário do seu nascimento: “Temos sempre de lutar pela luz e, mesmo que não a consigamos obter nós próprios, podemos sempre legá-la às gerações futuras”. Espero que o público possa usufruir da contribuição deste pioneiro para a arte e relembrar o seu espírito de “esforço pelo progresso”. Espero também que os artistas de Macau tomem proactivamente a responsabilidade que lhes foi transmitida ao longo dos anos por este grande artista.
Un Sio San
Directora do Museu de Arte de Macau