Notado Curado
Outrora, houve um homem que cresceu em Macau. Nas suas obras de pintura, este artista retratava frequentemente a beleza da sua amada terra natal, que se desenvolvia a olhos vistos. Com muitos sonhos no coração, viajou por montanhas e rios para retratar com o seu pincel as magníficas paisagens do seu país. Este homem chamava-se Lok Cheong (1923-2006), uma figura altamente influente na sua época, nos meios de pintura de Macau. De facto, foi um dos principais defensores das técnicas de pintura ocidental na cidade. Este ano, assinala-se o seu 100.º aniversário e, por conseguinte, apresentamos a Retrospectiva Centenária da Arte de Lok Cheong.
Os padres jesuítas italianos Michele Ruggieri (1543-1607) e Matteo Ricci (1552-1610) chegaram a Macau em 1579 e 1582, respectivamente. Nas suas viagens pelo continente chinês, ambos transportaram consigo retratos de figuras religiosas, introduzindo, assim, pela primeira vez, tanto quanto se sabe, a pintura a óleo na China. Além disso, a Diocese de Macau possui um vasto acervo de quadros de pintura a óleo de finais do século XVI.
A partir do século XVIII, muitos pintores ocidentais visitaram Macau. Na primeira metade do século XIX, o artista inglês George Chinnery (1774-1852), que viveu em Macau durante 27 anos, e os seus discípulos tornaram-se os mais influentes pintores de estilo ocidental no Sul da China. Estes acontecimentos importantes na história da arte testemunham o papel vital de Macau na introdução das técnicas de pintura ocidental no Oriente. No século XX, muitos jovens artistas chineses estudaram pintura a óleo no Reino Unido, França, EUA e Japão, e um número crescente de pintores chineses e ocidentais optou por estabelecer-se em Macau, assinalando, deste modo, o início da história da pintura a óleo chinesa.
A noção de “adoptar a mistura ecléctica de estilos de pintura chineses e ocidentais, combinando técnicas antigas com técnicas modernas” começou a ganhar peso. A fusão da pintura tradicional chinesa com as técnicas de pintura ocidental inaugurou um novo capítulo na história da pintura ocidental moderna em Macau. Mais tarde, durante a Guerra de Resistência, vários pintores da região de Lingnan procuraram asilo na cidade.
Lok Cheong esteve também envolvido no movimento de resistência contra o Japão para salvaguardar o país. Trabalhou na área da cenografia e criou diversos cartazes de propaganda anti-nipónica, com o objectivo de despertar sentimentos patrióticos entre o povo chinês com as suas obras de pintura realista. Desde o período da Guerra de Resistência até à fundação da República Popular da China, muitos pintores de Guangdong reuniram-se em Macau para trocar ideias, levando a um florescimento do ambiente artístico local. Como resultado, em 1956, foi criada a Associação de Pesquisa Artística de Macau, sendo Lok Cheong um dos seus membros fundadores. No mesmo ano, o artista apresentou a primeira Exposição de Belas-Artes de Macau, a qual foi calorosamente apoiada e inaugurada por Ho Yin, um proeminente empresário e político local. Em 1967, a associação passou a ser designada por Associação dos Artistas de Belas-Artes de Macau, com Lok Cheong no cargo de director e, mais tarde, de presidente. As suas obras foram expostas na sexta, sétima e oitava edições da Exposição Nacional de Belas Artes.
Durante um longo período de tempo, a sua obra de foi permeada por uma figuração realista e um forte sentido de patriotismo. À medida que foi aperfeiçoando as suas técnicas, porém, foi também trabalhando para unir os artistas patrióticos locais e alargar o leque destes talentos. Desempenhou um papel preponderante na organização de exposições por todo o país e de viagens de artistas de Macau à Pátria, a fim de desenharem. Os seus esforços promoveram o intercâmbio artístico entre Macau e o continente chinês, tendo, ao mesmo tempo, estreitado os laços entre os meios artísticos da cidade e do continente, sobretudo em Guangdong. Contribuiu, ainda, para promover o talento de muitos artistas locais que exploravam uma vertente realista nas suas obras.
Esta retrospectiva comemorativa do 100.º aniversário de Lok Cheong apresenta 100 obras de pintura do artista, juntamente com alguns dos seus desenhos, bem como obras notáveis da autoria de alguns companheiros, que são agora expostas pela primeira vez. Ao todo, a mostra apresenta 150 peças, incluindo obras de pintura a óleo, aguarelas, desenhos, manuscritos e documentos, abarcando várias fases da sua carreira e uma ampla gama de temas. Na verdade, esta exposição apresenta, de forma abrangente, a sua vida artística, as suas conquistas e o seu legado, dividindo-se em cinco secções: (1) Amor à Pátria, (2) Captando o Carácter de Macau, (3) Retratos, (4) Desenhando do Coração e (5) Obras de Companheiros Artistas.
A primeira secção, “Amor à Pátria”, revela a consistente expressão do amor de Lok Cheong pelo seu país através da sua arte, a qual contribuiu para despertar no público o amor à Pátria. Tal como os seus homólogos no continente chinês, os seus temas eram sistematicamente inspirados nas suas experiências de vida. Na verdade, a pintura realista tende a retratar com precisão a natureza ou a vida, tendo Lok Cheong adoptado abordagens naturalistas com frequência e fidelidade nas suas obras. Revelando um poder de observação apurado e um domínio excepcional das técnicas artísticas, retratou as condições de vida que observava à sua volta, em especial, nas suas obras de pintura a óleo “Vivendo da recolha de resíduos”, “Minas a céu aberto em Jintang” e “Oferta de arroz pela Pátria”. Estas obras retratam de forma expressiva e comovente a perseverança de pessoas que enfrentaram alguns dos desafios mais árduos da vida. Além disso, as suas obras não são apenas representações realistas, exprimindo também as suas reflexões sobre as situações de vida que representavam e evidenciando a natureza profundamente empática do pintor. Algumas obras evocam acontecimentos históricos e retratam paisagens magníficas, como “Técnicos partindo para servir a Pátria”, “Construindo um molhe para proteger Zhanjiang” e “Regresso a casa”. As obras são extremamente expressivas e evidenciam a sua demanda por um mundo ideal. Os tons usados revelam, igualmente, influências impressionistas.
A segunda secção, “Captando o carácter de Macau”, apresenta as pinturas de paisagens da cidade onde Lok Cheong cresceu. Tinha um fascínio pela cultura de Macau resultante do encontro entre o Oriente e o Ocidente, tendo estudado formas de combinar técnicas de pintura chinesas e ocidentais na cidade. Nas suas obras, retratou expressivamente monumentos locais como o Templo de A-Má, a Biblioteca do Pavilhão Octogonal, a marginal ao longo do Lago Sai Van e o Farol da Guia na Colina da Guia. Aplicou cores, linhas e curvas vibrantes, combinando de forma inovadora técnicas antigas e contemporâneas para permitir ao espectador sentir o carácter único da cidade. Expressou, em cada obra, o seu amor tanto pela sua terra natal como pelo seu país.
A secção “Retratos” apresenta uma série de retratos que se caracterizam pelas suas formas equilibradas e por um espírito próprio. O artista era exímio na representação da aparência e do carácter nos seus retratos. Desenhava frequentemente os seus companheiros, aplicando habilmente tinta preta e cores e criando efeitos visuais de grande expressividade através de jogos de luz e sombra. As suas representações são quase sempre evocativas e realistas.
Durante a sua vida, produziu um conjunto aparentemente interminável de desenhos. Adorava registar a paisagem, o carácter e o povo da sua pátria com os seu pincéis. A secção “Desenhando do Coração” abarca muitas destas obras. Os desenhos revelam a sua abordagem sofisticada em termos de composição, demonstrando a sua criatividade na forma como representava uma cena de modo imaginativo, evidenciando um grande domínio do jogo de luz e sombra e combinando o seu ponto focal com técnicas de desenho como a “perspectiva cavaleira”.
A secção final, “Obras de Companheiros Artistas”, inclui obras da autoria de companheiros e colegas de Lok Cheong, o qual conheceu muitos pintores do continente que o admiravam e respeitavam, e a quem retribuiu com a sua amizade. Os laços de intimidade foram aprofundados através da troca de obras de pintura e presentes artísticos, cada um dos quais constitui peças magníficas que evidenciam as abordagens estilísticas e perspectivas inovadoras dos muitos amigos artistas de Lok Cheong.
Testemunhou muitas transformações sociais significativas na sua vida plena de aspirações, particularmente em Macau e na Pátria. As suas obras de arte são disso um testemunho poderoso. Em suma, teve um impacto profundo no desenvolvimento do panorama artístico de Macau, tornando-se um mestre que a nossa exposição se propõe agora celebrar e rememorar.
Gostaríamos de expressar a nossa sincera gratidão à família de Lok Cheong pelo seu apoio inestimável e pela generosa doação das suas obras, bem como as 100 notáveis obras da autoria dos seus companheiros. Graças à sua família, a organização desta exposição decorreu de modo fluido e gratificante.
Ng Fong Chao
Curador