Prefácio
Zobeida é uma urbe ficcional no livro Cidades Invisíveis, uma obra clássica de realismo mágico do escritor italiano Italo Calvino. A curadora da exposição de Macau, Chang Chan, e o artista Wong Weng Cheong, ecoam no seu trabalho os temas do romance de Calvino, assim como o tema oficial da bienal – “Estrangeiros em Todos os Lugares”. Contudo, evitam apresentar Macau apenas como um centro de jogo cheio de imitações de edifícios de fama global e turistas. Evitam também usar Zobeida como uma metáfora directa para Macau, uma cidade historicamente povoada por estrangeiros motivados por desejos materialistas. Em vez disso, criam de modo inovador um “triplo” mundo ficcional. Zobeida, uma cidade de desejo, serve de trágica previsão do destino último de uma metrópole e do exaustivo trabalho de desmantelamento de uma civilização. É impossível, não tremer ante o futuro distante e a força invisível por detrás da ordem e da desordem.
O “reino exótico” de Wong Weng Cheong é visualmente espectacular e partilha muitas semelhanças com o conceito de “heterotopia” do filósofo francês Michel Foucault – uma fase entre o espaço real e a utopia. Com a sua qualidade real e ao mesmo tempo onírica, uma “heterotopia” abarca normas, tabus, realidades, mitos, costumes e fantasias num mesmo lugar, oferecendo uma perspectiva crítica de análise social e permitindo-nos reexaminar a ordem existente. Instalada no seio desta atmosfera atraente, mas desolada, a exposição consegue expressar com eficácia as profundas preocupações acerca do continuado desenvolvimento da nossa civilização, respondendo às ansiedades do nosso tempo com uma notável imaginação, pensamento avançado e inovação.
Em Cidades Invisíveis, o narrador, Marco Polo, evita referir-se à cidade de Veneza. Em vez disso, infunde com subtileza as características da cidade italiana em todas as metrópoles que descreve. Do mesmo modo, Wong Weng Cheong, nascido em Macau, cria um “reino exótico” imbuído com as características únicas de Macau. O artista disseca a longa história da cidade, definindo, precisamente, que o conceito de “estrangeiro” é sempre “relativo” e reflectindo também sobre a dicotomia entre “civilização” e “barbárie”. A exposição revela o fenómeno absurdo e patético em que as pessoas enfatizam negativamente a diferença entre “nativos” e “estrangeiros”, ou entre “residentes” e “imigrantes”. Por outro lado, acentua indirectamente os valores universais de inclusividade harmoniosa, em termos de grupos multiétnicos, que têm coexistido em Macau ao longo de muitos séculos.
A exposição também se afasta das narrativas locais convencionais, revelando como o artista, na qualidade de cidadão do mundo com uma perspectiva internacional, descarta o padronizado retratar doméstico em resposta quer aos problemas globais de hoje quer relativamente às suas próprias mudanças pessoais ao longo do tempo. Este jovem talento artístico de Macau mostra sensibilidade, criatividade e coragem no seu trabalho, reflectindo sobre o conceito de localidade através da lente da civilização humana para descobrir um leque de aspectos comuns entre as muitas diferenças.
Este ano assinalam-se o 60º aniversário da Exposição Internacional de Arte – La Biennale di Venezia e o 25º aniversário do Museu de Arte de Macau (MAM). O MAM prossegue a sua missão de promover a arte de Macau e apoia sem reservas “Acima de Zobeida”, que representa a nossa cidade neste prestigiado evento artístico global. A exposição oferece uma oportunidade de melhor compreender Macau, inspirando o público a reflectir sobre temas globais e sobre o futuro partilhado da humanidade ao mesmo tempo que promove um importante intercâmbio cultural entre todas as civilizações.
Un Sio San
Directora do Museu de Arte de Macau