Acima de Zobeida, Exposição de Macau, China

Evento Colateral da 60 ª Exposição Internacional de Arte – La Biennale di Venezia

Declaração Curatorial

 

O livro Cidades Invisíveis, de Italo Calvino, conta a história de Zobeida e da sua fundação. Homens de várias nações sonham todos um sonho idêntico de uma mulher nua a correr por uma cidade desconhecida. Perseguindo, mas sempre perdendo a mulher, ao acordar procuram a cidade, mas não a conseguem encontrar. Juntos, decidem reconstruir a cidade, alterando a forma de perseguir a mulher de modo a que esta não lhes torne a escapar. Zobeida, tal como muitos lugares fundados por processos de colonização e globalização é uma cidade de desejo. 

Tendo crescido em Macau, ela própria desenvolvida por ondas de “estrangeiros”, Wong Weng Cheong produz uma arte que constrói uma espécie de analogia pastoral do urbanismo onírico de Calvino. Simultaneamente selvagens e domesticados, os únicos habitantes das suas paisagens são herbívoros mutantes com pernas bizarramente alongadas que lhes mantêm os corpos longe do solo das pradarias, a sua única fonte de alimentação. Numa contradição viva, os seus corpos disfuncionais tentam alcançar o céu. Por toda a paisagem existem marcas de actividade humana, apontando para o estreito elo entre civilização e mutação. Há câmaras em todo o lado, como que para monitorizar, registar e estudar cada pormenor. O visitante torna-se parte da cena captada pela câmara; o sujeito que vê torna-se no objecto observado. A identidade do observador enquanto forasteiro torna-se parte do mundo observado. 

Wong Weng Cheong constrói uma paisagem da mente que alude à proliferação das deslocações psíquicas, físicas e existenciais do nosso tempo. Em simultâneo, o seu trabalho conforma-se às implicações do título da 60ª edição da Exposição Internacional de Arte – La Biennale di Venezia “Estrangeiros em Todos os Lugares”. Acima de Zobeida situa-se entre as ubíquas “exclusões inclusivas” (a frase é de Giorgio Agamben) implicadas nas migrações em massa tanto dentro como fora de fronteiras, territórios e culturas. Em Acima de Zobeida, o virtual e o concreto coexistem sem qualquer fronteira clara, o cidadão e o forasteiro encontram-se simultaneamente demarcados e indiscerníveis. Assim, a localização de “Acima de Zobeida” constitui aquilo que Roland Barthes teorizou como uma atopia: um local que não pode ser descrito, classificado ou comparado. Um lugar inteiramente Outro. Trata-se de um mundo acima de qualquer cidade “real”, um lugar que parece sempre estar ao alcance, mas que sempre nos escapa. Um lugar a que todos e ninguém pertence. 

Numa viagem de auto-exploração e auto-projecção cujas dimensões e âmbito continuam a evoluir, o artista tem vindo a criar esta série de trabalhos desde 2018. Este refúgio, que permite deixar para trás a realidade e dela se abrigar, regista também intensas pressões externas. Acima de Zobeida leva este trabalho mais longe, até ao domínio da auto-análise. Wong escava no seu habitat familiar, examinando-o e reenquadrando-o a partir de uma perspectiva impessoal. Através de um processo de desconstrução, o eu é alterizado. Tal como todos nós, o próprio artista torna-se num estrangeiro no seu mundo ficcional.  

 

Chang Chan

Istituto Santa Maria della Pietà, Castello 3701, Veneza, Itália

Data de Abertura:
2024/04/18 16:30
Duração:
2024/04/20 - 2024/11/24