Viagens de Luz: Aguarelas da Paisagem de Macau na Colecção do Museu de Arte de Macau

Prefácio

 

A aguarela, um género dinâmico e versátil, feito de muitas camadas e exigindo apenas ferramentas simples, foi sempre escolhido como uma técnica conveniente e adaptável para trabalho ao ar livre. As primeiras aguarelas feitas em Macau eram sobretudo paisagísticas, vindo depois a captar cenas da vida e costumes locais. De facto, as aguarelas tiveram um papel importante na história da arte na cidade e nas trocas culturais entre Oriente e Ocidente. 

O estatuto de Macau enquanto entreposto entre o Oriente e o Ocidente, e base para a disseminação religiosa e plataforma de intercâmbio cultural veio a intensificar-se a partir de meados do século XVI. A cidade atraiu numerosos pintores ocidentais, tais como George Chinnery e Auguste Borget, que captaram o seu carácter em aguarela. As belas impressões da Macau do passado foram, frequentemente, vistas pela primeira vez por olhos ocidentais, numa espécie de primeira entrada da cidade no mundo da arte. Contudo, pintores locais de gerações recentes começaram a escolher a aguarela como a sua técnica de perfeição durante todas as suas carreiras, esforçando-se por aperfeiçoar a sua mestria e transmiti-la a jovens artistas. Hoje, a aguarela é reconhecida como a técnica artística mais popular em Macau. 

Viagens de Luz: Aguarelas da Paisagem de Macau na Colecção do Museu de Arte de Macau foi organizada pelo Instituto Cultural de Macau e pelo Centro Científico e Cultural de Macau em Portugal para promover e reforçar o intercâmbio artístico entre a China e Portugal. Em Lisboa, a exposição apresenta 50 obras dedicadas a temas de Macau na colecção do Museu de Arte de Macau realizadas por dezassete artistas locais, cobrindo um leque diverso de aguarelas criadas a partir da década de 1970. O título da exposição Viagens de Luz simboliza o percurso da pintura a aguarela – com as suas características expressões de luz e sombra – até ao Sul da Europa, mostrando como as distintas paisagens culturais de Macau foram sobretudo pintadas sob um sol cintilante e reiterando um ideal que os artistas de Macau, tanto experientes quanto jovens, continuarão a fazer avançar na criação artística na cidade. 

Esta exposição traz-nos notáveis obras de pintores veteranos e artistas emergentes. Alguns continuam a usar as técnicas transmitidas pelos velhos mestres, outros abrem caminho com novas e excitantes abordagens, especialmente na representação da luz. Duas destas visões diferentes surgem nas representações de cenas aquáticas criadas por Kwok Se e Herculano Estorninho. A obra “Regresso”, de Kwok, recorre a uma abordagem abstracta, mas subtil para representar o brilho do sol poente numa atmosfera nebulosa, ao passo que “Junco”, de Estorninho, enfatiza as sombras do barco entre as cintilantes ondas do mar através de uma pincelada luxuriante e sem restricções. A nova obra do jovem pintor Lai Sio Kit, “Jardim Secreto”, e as peças do veterano Tam Chi Sang, “Jardim de São Francisco” e “Jardim de Lou Lim Ioc”, captam momentos tranquilos através de técnicas contrastantes. Se este último é subtil e poético, o primeiro aplica uma paleta densa e robusta. “Largo de São Domingos”, de Lio Man Cheong, e “Largo de São Domingos à Noite”, de Lai Ieng, mostram o mesmo local de dia e à noite, oferecendo diferentes perspectivas, cada uma delas fascinante à sua maneira. Recorrendo a uma paleta luminosa e brilhante, Lio Man Cheong cria uma natureza delicada, ao passo que Lai Ieng aplica cores ricas e texturas intensas juntando a paleta quente das aguarelas inglesas a imagens normalmente vistas na arte a tinta-da-china. “Rua do Regedor, Taipa”, de Choi Su Weng é misteriosa e fria, enquanto “Coloane”, de Poon Kam Ling, com uma qualidade suave e desapegada. Contudo, ambas soberbas obras transmitem encanto, serenidade e um sentido de transcendência às paisagens das ilhas de Macau. “Rua de Pedro Nolasco da Silva”, de Ng Wai Kin, criada em 2022, faz eco da obra “Rua de Macau”, criada pelo seu mestre, Kam Cheong Ling na década de 1970 e ambas representam as ruas da cidade em pinceladas meticulosas. 

Com a sua leve e nebulosa pincelada à mão, a aguarela é ideal para captar cenas em que as paisagens do Sul da China se harmonizam com as paisagens do Sul da Europa. As ruas com calçada à portuguesa, as encostas, ruelas estreitas, as janelas com gelosias e as roupas a secar entre prédios são cenas que podem ser vistas em Lisboa e em Macau, evocando nostalgia nos visitantes oriundos dos dois lugares. As imagens nesta exposição mostram locais icónicos, incluindo belas igrejas, solenes templos, elegantes jardins chineses, majestosas fortalezas ocidentais, vestígios da antiga muralha defensiva da cidade, agitadas esquinas de rua, barcos apodrecidos e riquexós, a par de comunidades de tradicionais casas de madeira em rápido desaparecimento, cafés e velhas árvores anónimas em pinturas que captam uma paisagem em mutação, na qual o património mundial e a vida quotidiana de Macau se mesclam e guardam no tempo momentos chave da transformação da cidade de porto histórico em urbe internacional. 

As notáveis colecções de aguarelas modernas e contemporâneas escolhidas pelo Museu de Arte de Macau acentuam a beleza única e diversa de Macau e trazem uma refrescante expressão do Oriente e do Ocidente. Criadas pelas hábeis mãos dos artistas, estas pinturas captam um prevalente sentido de humanidade evidente na nossa pequena cidade e retêm a sua magnífica luz fluida para toda a eternidade. À medida que o tempo avança, a paisagem muda. De facto, a única coisa que permanece a mesma são as pinceladas à mão livre, que retratam momentos de calor e elegância revelados no jorrar do sol e reflectindo o amor imorredouro dos artistas pela arte e pela sua cidade. 


UN SIO SAN 
Directora do Museu de Arte de Macau 

Centro Científico e Cultural de Macau, Lisboa, Portugal

Duração:
2023/04/21 - 2023/08/11